
Alcaloides do Tropano em Farinhas e Pães de Milho: Riscos Detetados e Boas Práticas de Mitigação
1. O que são os alcaloides do tropano?
Os alcaloides do tropano são compostos químicos naturais altamente tóxicos produzidos por plantas da família das Solanáceas, particularmente pelo estramónio ou figueira-do-inferno (Datura stramonium), pela beladona (Atropa belladonna) e pelo meimendro (Hyoscyamus niger). Estes compostos incluem principalmente a atropina, escopolamina e hiosciamina, substâncias que têm vindo a constituir uma preocupação crescente devido aos seus efeitos no sistema nervoso central.
Devido à gravidade dos riscos que representam para a saúde pública, a União Europeia estabeleceu limites máximos rigorosos para estes contaminantes através do Regulamento (UE) n.º 2023/915 da Comissão1, de 25 de abril, fixando teores máximos de 5,0 μg/kg (soma de atropina e escopolamina) para produtos da moagem do milho. Este regulamento visa não apenas proteger a saúde dos consumidores, mas também obrigar os operadores económicos a implementar medidas preventivas eficazes para evitar a contaminação dos produtos alimentares.
2. Como ocorre a contaminação
A contaminação por alcaloides do tropano representa um dos desafios mais complexos da segurança alimentar, ocorrendo quando plantas infestantes da família das Solanáceas crescem espontaneamente junto às culturas de milho e são inadvertidamente colhidas em simultâneo com o cereal. Durante o processo de colheita mecanizada, estas plantas tóxicas misturam-se com o milho destinado ao consumo humano, e posteriormente, durante a moagem, as suas sementes são trituradas juntamente com os grãos, contaminando assim toda a farinha resultante.
O problema revela-se particularmente insidioso no milho porque estas plantas infestantes adaptam-se facilmente aos campos de cultivo desta cultura, desenvolvendo-se muitas vezes de forma quase impercetível entre as plantas cultivadas, implicando assim maior e mais eficiente controlo pelos produtores. A colheita mecanizada, embora eficiente, não consegue distinguir entre o milho e as plantas contaminantes, especialmente quando estas se encontram em estádios de desenvolvimento similares. As sementes das plantas tóxicas, sendo pequenas e numerosas, podem facilmente passar despercebidas durante os processos convencionais de limpeza, perpetuando a contaminação através de toda a cadeia alimentar.
Um aspeto particularmente preocupante desta contaminação é a sua persistência - os alcaloides do tropano mantêm-se ativos e tóxicos mesmo após todos os processos de transformação, incluindo a moagem, a mistura com outros ingredientes e a cozedura. Isto significa que produtos aparentemente inócuos, como uma simples broa de milho, podem transportar níveis perigosos destes compostos tóxicos até à mesa do consumidor.
3. Riscos para a saúde
Os alcaloides do tropano constituem uma das categorias mais perigosas de contaminantes alimentares, sendo substâncias capazes de causar intoxicações graves, mesmo quando presentes em quantidades aparentemente insignificantes. A Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA), no seu parecer científico de 20132, confirmou que a exposição a estas substâncias constitui uma preocupação séria e imediata para a saúde pública, estabelecendo uma Dose Aguda de Referência (DAR) extremamente baixa de apenas 0,016 μg/kg de peso corporal.
Quando uma pessoa consome alimentos contaminados com alcaloides do tropano, os sintomas de intoxicação podem manifestar-se rapidamente e de forma grave. De entre os sintomas mais comuns encontram-se alucinações, palpitações, desorientação, tonturas, dilatação das pupilas ou perturbação da visão. As crianças encontram-se numa situação de vulnerabilidade particular, uma vez que o seu menor peso corporal significa que doses muito menores podem causar intoxicação grave.
4. A realidade dos casos identificados pela ASAE
A gravidade desta problemática não é meramente teórica - a ASAE tem documentado casos concretos que demonstram o perigo real que estes contaminantes representam para os consumidores portugueses. No âmbito do Plano Nacional de Colheita de Amostras (PNCA), têm sido identificados vários casos de incumprimento ao limite legal estabelecido para esse contaminante, tendo um caso, em específico, assumido particular gravidade, ilustrando perfeitamente a magnitude do risco.
Em junho de 2025, uma amostra de broa de milho colhida no mercado nacional revelou níveis extremamente elevados de alcaloides do tropano, atingindo 190±52 μg/kg (soma de atropina e escopolamina).
A avaliação do risco realizada pela ASAE revelou dados preocupantes sobre o risco para a saúde que este produto representava. Utilizando a Dose Aguda de Referência estabelecida pela EFSA e os dados biométricos da população portuguesa, calculou-se que um adulto precisaria de consumir apenas 6,2 gramas desta broa para atingir a dose aguda de referência estabelecida. Para uma criança, a situação era ainda mais dramática: bastavam apenas 1,8 gramas do produto para atingir níveis potencialmente perigosos.
Face a estes resultados, o produto foi imediatamente classificado como não seguro e prejudicial para a saúde, tendo sido efetuada a sua retirada imediata do mercado e realizada uma investigação abrangente sobre outros produtos que pudessem utilizar a mesma matéria-prima contaminada, já que um único lote de farinha de milho contaminada pode afetar múltiplos produtos e ameaçar a saúde de dezenas de consumidores.
Este trabalho de vigilância contínua permite não apenas garantir o cumprimento dos limites máximos estabelecidos na legislação europeia, mas também proteger efetivamente a saúde pública.
5. Prevenção e boas práticas
A prevenção da contaminação por alcaloides do tropano exige uma abordagem integrada que envolve todos os intervenientes da cadeia alimentar, desde a produção agrícola até ao consumidor final.
Na produção agrícola, é fundamental implementar programas rigorosos e eficazes de controlo de infestantes nos campos de milho, realizando inspeções regulares das culturas para identificar precocemente a presença de plantas suspeitas da família das Solanáceas. A formação dos trabalhadores agrícolas para reconhecer estas plantas tóxicas é essencial, bem como o estabelecimento de procedimentos de limpeza meticulosos durante a colheita.
No processamento industrial, os operadores devem efetuar uma limpeza cuidadosa e rigorosa do milho antes da moagem, implementando sistemas sofisticados de deteção visual e mecânica de materiais estranhos. As análises laboratoriais regulares às matérias-primas e produtos finais são indispensáveis, assim como a manutenção de registos detalhados da origem do milho e de todos os controlos efetuados.
Para os consumidores, a proteção passa por adquirir farinhas e pães de milho exclusivamente de fornecedores reconhecidos e de confiança, verificando sempre a rotulagem e origem dos produtos. É importante estar atento a qualquer alteração no aspeto, cheiro ou sabor dos produtos habituais, pois estas podem ser indicações de problemas de qualidade. Em caso de sintomas após o consumo de produtos à base de milho, especialmente os mencionados anteriormente, deve procurar-se imediatamente assistência médica, informando os profissionais de saúde sobre os alimentos consumidos. Situações suspeitas devem ser sempre reportadas às autoridades competentes, contribuindo assim para um sistema de vigilância eficaz.
A realidade é que a prevenção da contaminação por alcaloides do tropano constitui uma responsabilidade verdadeiramente partilhada entre produtores, transformadores e distribuidores, mas onde as autoridades de controlo e os próprios consumidores assumem também um papel fundamental. Apenas através desta colaboração ativa e consciente de todos os intervenientes será possível garantir que os consumidores portugueses tenham acesso consistente a alimentos seguros e de qualidade, livres de contaminantes que podem ter consequências graves para a saúde.

Datura
stramonium (Fonte: https://flora-on.pt/Datura-stramonium_ori_kxgF.jpg)

Atropa
belladonna (Fonte: https://flora-on.pt/Atropa-belladonna_ori_D4Ib.jpg)

Hyoscyamus
niger (Fonte: https://flora-on.pt/Hyoscyamus-niger_ori_H-K4.jpg)
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1 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32023R0915
2 https://efsa.onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.2903/j.efsa.2013.3386
ASAEnews nº 133 - setembro 2025