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Artigo de Revisão

Sal, Ingestão de Alimentos Salgados e Risco de Cancro Gástrico: Evidência Epidemiológica

Shoichiro Tsugane

Epidemiology and Prevention Division, Research Center for Cancer Prevention and Screening, National Cancer Center, 5-1-1 Tsukiji, Chuo-ku, Tokyo 104-0045

(Recebido Setembro 17, 2004/Revisto Outubro 20, 2004/Aceite Outubro 28, 2004/Publicação on-line Janeiro 19, 2005)

Visto que o cancro gástrico é ainda o tipo mais comum de cancro, a sua prevenção é um dos aspectos mais importantes da estratégia de controlo do cancro no Japão. As observações entre os imigrantes japoneses nos EUA e no Brasil, com base nas diferenças geográficas, na tendência da incidência do cancro com o tempo e na modificação dos padrões de incidência, indicam que o cancro gástrico está fortemente associado a factores dietéticos, como a ingestão de sal e de alimentos salgados. Em estudos internacionais e ecológicos da população japonesa, o nível médio de excreção de sal, estimado utilizando amostras de urina de 24 h seleccionadas aleatoriamente em cada população, foi fortemente correlacionado com a mortalidade por cancro gástrico. Vários estudos de controlo de casos e estudos de grupo, incluindo trabalhos recentes do autor, demonstraram que uma ingestão mais elevada de alguns alimentos tradicionais conservados com sal e a ingestão de sal propriamente dito, a qual foi avaliada utilizando um questionário validado de frequência alimentar, estava associada a um aumento do risco de desenvolver cancro gástrico. Enquanto a ingestão de alimentos salgados pode aumentar o risco de infecção por Helicobacter pylori, pode também ter uma acção sinérgica que promove o desenvolvimento de cancro gástrico. Com base em evidências substanciais sobre a associação entre a ingestão de sal e de alimentos salgados e o risco de cancro gástrico, provenientes de estudos ecológicos, de controlo de casos e de grupo conduzidos no Japão e noutros países, bem como na plausibilidade mecanista, propõe-se como estratégia prática para a prevenção de cancro gástrico a modificação da alimentação de forma a envolver um consumo menor de sal e de alimentos salgados. (Cancer Sci 2005; 96: 1–6)

Em 2000, o cancro gástrico era a segunda causa mais frequente de morte por cancro e o quarto cancro mais comum a nível mundial, com um número estimado de 650 000 mortes e 880 000 novos casos por ano, quase dois terços dos mesmos ocorrendo em países em vias de desenvolvimento.(1) Em 2001, o cancro gástrico causou 50 000 mortes no Japão, tendo sido a segunda causa mais frequente de morte por cancro.(2) Estima-se que só em 1998 se detectaram 100 000 novos casos de cancro gástrico no Japão, o tipo mais comum de cancro (21% de todos os cancros).(3) Assim, a prevenção do cancro gástrico é um dos aspectos mais importantes de qualquer estratégia de prevenção do cancro, tanto no Japão como no mundo. As diferenças geográficas e étnicas, as tendências da incidência de cancro com o tempo e as modificações nos padrões de incidência observadas entre os imigrantes indicam que o cancro está fortemente associado a factores que podem ser modificados, tal como a dieta. Existem evidências substanciais, provenientes de estudos ecológicos, de controlo de casos e estudos de grupo, que sugerem fortemente que o risco de cancro pode aumentar com uma ingestão elevada de alguns alimentos tradicionais conservados com sal e do sal em si próprio, e que esse risco pode ser reduzido aumentando-se o consumo de fruta e vegetais.(4,5) Outros factores não relacionados com a alimentação incluem fumar(6) e a infecção com a bactéria Helicobacter pylori.(7) Estudos experimentais conduzidos em ratos demonstraram que a ingestão de sal causa gastrite e que, quando co-administrada, aumenta os efeitos cancerígenos de agentes cancerígenos conhecidos tal como a N-metil-N-nitro-N-nitrosoguanidina (MNNG).(8,9) Uma concentração intragástrica elevada de sal destrói a barreira mucosa e provoca inflamação e danos como erosão difusa e degeneração.  A alteração proliferativa induzida poderá aumentar o efeito dos agentes cancerígenos derivados dos alimentos. Com base em dados de observação de seres humanos e em dados animais experimentais, bem como na plausibilidade mecanista, um relatório conjunto recente de um grupo de peritos da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) concluiu que os alimentos conservados com sal e o sal ‘provavelmente’ aumentam os risco de cancro gástrico.(10) As razões para a utilização da designação ‘provável’, em vez de ‘convincente’ devem-se, parcialmente, à quantidade limitada de dados prospectivos.

Na presente revisão apresentam-se evidências epidemiológicas da associação entre o consumo de sal e de alimentos salgados e o cancro gástrico, com referência especial aos trabalhos recentes do autor bem como a artigos relacionados.

Evidências provindas de Epidemiologia Descritiva e de Estudos Ecológicos

Diferenças geográficas e étnicas.  No Japão, em relação ao cancro gástrico, a taxa de incidência padronizada por idades (tendo a população mundial como referência) na década de 1990 ia de 60 a 92 nos homens e de 24 a 39 nas mulheres (por 100 000 indivíduos).(11) Estas taxas, juntamente com as verificadas na Coreia (67-73 nos homens e 20-30 nas mulheres), eram das mais elevadas do mundo. Entre a população de raça branca dos EUA, a taxa de incidência era de 6,6 nos homens e de 2,6 nas mulheres, ou seja, aproximadamente um décimo da taxa observada no Japão. Taxas relativamente elevadas, de aproximadamente metade do valor observado no Japão, eram observadas em várias zonas da Ásia, da América do Sul e da Europa de Leste. Nos EUA, as taxas observadas na população negra (13 para homens e 5,3 nas mulheres) eram duas vezes mais altas que as estabelecidas para a população de raça branca. As taxas observadas nos grupos étnicos japoneses (22 nos homens e 12 nas mulheres) e coreanos (43 nos homens e 18 nas mulheres) eram relativamente superiores às observadas noutros grupos étnicos da Califórnia, EUA (hispânicos de raça branca e não de raça branca, negros, chineses e filipinos). Observaram-se também diferenças aproximadamente equivalentes a três vezes nas taxas de mortalidade padronizadas dentro do Japão: taxas mais altas em Akita e Yamagata, taxas mais baixas no distrito de Kyushu, em prefeituras como Kagoshima e Miyazaki, e uma taxa particularmente baixa em Okinawa (Fig. 1).

Utilizando-se dados do estudo INTERSALT, no qual amostras de urina de 24 h, seleccionadas aleatoriamente, foram obtidas a partir de 39 populações de 24 países (N = 5756), os níveis medianos de sódio em amostras de indivíduos com idades compreendidas entre 20-49 anos foram analisados em relação às taxas nacionais de mortalidade por cancro gástrico.(12) Nos 24 países, o coeficiente de correlação de Pearson entre o cancro gástrico e o sódio foi de 0,70 nos homens e de 0,74 nas mulheres (ambos correspondentes a P < 0,001). Num estudo ecológico de 65 distritos rurais da China, o consumo de vegetais conservados com sal foi correlacionado com a mortalidade por cancro gástrico (r = 0,26 em homens e 0,36 em mulheres).(13)

Enquanto a variação geográfica na mortalidade por cancro gástrico no Japão não estava correlacionada com o consumo de sal per capita estimado no estudo de nutrição nacional (14), o estudo ecológico de Tsugane et al., de cinco áreas seleccionadas do Japão, apresentou uma correlação quase linear entre a taxa de mortalidade cumulativa por cancro gástrico até aos 75 anos de idade (%) e o nível de excreção de sal na urina nas amostras de 24 h (Fig. 2).(15,16) No entanto, os níveis de consumo de sal estimados utilizando uma análise de registos dietéticos de três dias, um método idêntico ao utilizado no estudo nacional de nutrição, não apresentaram uma correlação com o nível de mortalidade por cancro gástrico no mesmo estudo.(17) Este facto sugere que a utilização de uma tabela de composição uniforme para avaliar o nível de consumo de sal não é adequada para avaliar o nível de sal em áreas com uma cultura dietética diferente.  O conteúdo de sal de tipos diferentes de alimentos salgados pode variar dependendo dos hábitos alimentares e do tipo de preparação dos alimentos particular a cada área específica. A tabela de composição padrão indica consistentemente o mesmo valor de sódio sem ter em conta a diferença na concentração real de sódio de cada item alimentar, resultando numa estimativa pouco exacta.  O nível de excreção de sódio em amostras de urina de 24 h é considerado como uma das melhores estimativas para avaliar o consumo diário de sal, em particular ao nível populacional.

Resumindo, grande parte da variação geográfica da mortalidade por cancro gástrico, no mundo e no Japão, pode ser explicada, ao nível populacional, pelo nível de consumo diário de sal.

Tendência temporal.  No Japão, um país no qual a incidência de cancro gástrico é das mais elevadas, tanto a mortalidade padronizada como as taxas de incidência têm vindo a apresentar uma descida durante várias décadas (Fig. 3). Nos EUA(18) e na Europa(19), o cancro gástrico era um dos tipos de cancro mais comuns; no entanto, as taxas de mortalidade decresceram dramaticamente nos últimos 50 anos, em todos os países, e o cancro gástrico tornou-se num tipo de cancro raro e sem qualquer intervenção específica. Esta redução da incidência de cancro gástrico a nível mundial pode ser atribuída à vulgarização da refrigeração. A utilização da refrigeração poderá estar inversamente correlacionada com a utilização da salga e outros métodos de conservação com sal, tal como a cura e o fumeiro, bem como com o volume de sal nas dietas.(4) Além disso a refrigeração facilitou também o consumo de frutas frescas e de vegetais.

Resumindo, a quebra mundial da incidência de cancro gástrico pode ser explicada pela transição dos métodos de conservação de alimentos da salga para a refrigeração.

A taxa de cancro gástrico entre os imigrantes japoneses nos EUA e no Brasil Os estudos de populações que realizaram migrações, que oferecem algumas pistas sobre a importância relativa dos factores genéticos e ambientais na etiologia do cancro, são úteis em particular quando as diferenças na incidência de cancro e no estilo de vida entre o país de origem e o país de acolhimento são grandes. As taxas de incidência padronizadas por idades (com referência à população mundial)do cancro gástrico entre os japoneses residentes no Havai, EUA (por 100 000), eram significativamente mais baixas, tanto nos homens como nas mulheres, em comparação com as taxas no Japão. Por outro lado, em São Paulo, no Brasil, as taxas de incidência eram relativamente semelhantes às observadas no Japão (Fig. 4).(20) Estas diferenças nas taxas de incidência entre três populações japonesas sugerem que as alterações no estilo de vida, principalmente alterações alimentares, estão associadas a uma redução dos risco de cancro, dependendo do ponto a que uma dieta ocidental foi adoptada e das taxas de incidência individuais nos países de acolhimento (os EUA ou o Brasil)

De acordo com estudos transversais de brasileiros de origem japonesa aleatoriamente seleccionados na cidade de São Paulo (1989) e de japoneses que vivem em cinco prefeituras do Japão (1989-1991), os hábitos alimentares dos japoneses de origem brasileira têm vindo a alterar-se na direcção do padrão alimentar dos países ocidentais.(21) No entanto, os indivíduos continuam a consumir os alimentos tradicionais japoneses salgados: 15% dos brasileiros de origem japonesa do sexo masculino com idades compreendidas entre 40–49 anos consumiam sopa de miso quase todos os dias e 4% consumiam ainda pickles de vegetais salgados.(22) O grau de adaptação de uma dieta ocidental não é relevante, em comparação com os americanos de origem japonesa: na década de 1960, apenas 2% dos americanos de origem japonesa do sexo masculino com idades compreendidas entre 45-69 anos no Havai consumiam sopa de miso quase todos os dias.(23) Além disso, em São Paulo, os níveis de excreção de sal nas amostras de urina de 24 h de residentes do sexo masculino nascidos no Japão com idades compreendidas entre 40-59 anos eram de 14 g/dia nos 21 participantes originalmente provenientes das prefeituras de Iwate, Akita, e Nagasaki, e de 8,7 g/dia nos 12 participantes provenientes da prefeitura de Okinawa.(24) Estes níveis eram quase comparáveis aos verificados em cada prefeitura no Japão.

Para resumir, o decréscimo substancial na incidência de cancro gástrico entre os imigrantes japoneses nos EUA e a decréscimo mínimo entre os imigrantes japoneses no Brasil pode ser explicado pelo grau ao qual os imigrantes continuaram a manter hábitos alimentares japoneses, que se espera ter um teor elevado em sal.

Evidência a partir de Estudos de Controlo de Casos

Muitos, apesar de nem todos, os estudos de controlo de casos têm demonstrado uma associação positiva entre o cancro gástrico e o consumo de alimentos com níveis elevados de sal tal como peixe salgado, carne curada e vegetais salgados, ou a utilização de sal de mesa.(5) Vários estudos têm estimado quantitativamente o consumo total de sal e determinado uma associação fortemente positiva ao risco de cancro gástrico, enquanto outros estudos avaliaram a associação com o consumo de alimentos salgados, como peixe e vegetais salgados. Na avaliação efectuada pelo World Cancer Research Fund e pelo American Institute for Cancer Research em 1997,(4) os resultados de 16 estudos de controlo de casos referiam a associação entre o sal ou os alimentos salgados com o risco de cancro gástrico. Oito desses estudos estimaram o consumo geral diário de sal na dieta; destes, quatro mostraram um aumento forte estatisticamente significativo no risco (taxa de probabilidade [TP] = 2,1-5,0 em relação ao nível de consumo mais elevado). No entanto, os quarto estudos restantes não demonstraram uma associação substancial.

Seis dos estudos examinaram especificamente a utilização de sal de mesa, e três estudos demonstraram um risco aumentado estatisticamente significativo (TP = 1,6-6,2 para os níveis de consumo mais elevados) e dois apresentaram uma TP não significativa. Recentemente, vários estudos de controlo de casos demonstraram também que os alimentos salgados estavam associados ao risco de cancro gástrico(25-28) )

Resumindo, a maioria dos estudos de controlo de casos demonstraram que os doentes com cancro gástrico tendiam a consumir mais sal e alimentos salgados em resultado dos seus hábitos alimentares do passado.

Evidências dos Estudos de Grupo

Os dados prospectivos são escassos e apenas dois estudos foram avaliados num relatório de 1997.(4) Um deles não descrevia qualquer associação com o consumo de sal de mesa ou molho de soja, apesar de o consumo de peixe salgado ter sido associado a um aumento do risco de cancro gástrico em homens americanos de raça branca, principalmente de descendência escandinava e alemã (risco relativo = 1,9 no grupo de consumo mais elevado). Recentemente, três estudos descreveram também esta associação. Num estudo que examinou 13 000 mulheres e homens japoneses e 116 mortes por cancro gástrico, com um follow-up de 10 anos, o maior consumo de pickles salgados e sopas tradicionais mostrou um aumento do risco; no entanto, este dado não era estatisticamente significativo.(29) O estudo de grupo The Netherlands Cohort Study examinou 120 852 mulheres e homens e 282 incidentes de cancro gástrico documentados durante os 6,3 anos do follow-up.(30) O consumo de sal dos casos foi medido calculando o consumo médio diário de sódio (sal dietético) a partir de 150 itens alimentares e utilizando questões específicas relacionadas com o consumo de sal. Estas observações sugeriam que o consumo de sal na dieta, bem como de vários tipos de carne curada, apresentava uma ligeira associação positiva ao risco de cancro gástrico.

Tsugane et al. conduziram um estudo prospectivo com base na população em quarto áreas do Japão (Iwate, Akita, Nagano e Okinawa) abrangendo um total de 18 684 homens e 20 381 mulheres com idades compreendidas entre os 40 e os 59 anos, tendo documentado 358 homens e 128 mulheres com cancro gástrico confirmado histologicamente nos 12 anos de follow-up.(31) O consumo diário de sal foi calculado multiplicando a frequência de consumo de cada um de 44 itens alimentares pelo conteúdo de sal das suas unidades/porções standard, tal como se encontra especificado nas Tabelas de Composição dos Alimentos (Standard Tables of Food Composition - Science and Technology Agency, 1982), e somando o valor para o conjunto dos alimentos.(32) A validade entre subamostras (94 homens e 107 mulheres) foi avaliada utilizando os valores reais de consumo de nutrientes, os quais foram calculados com base no registo de 28 dias da dieta (7 dias consecutivos nas quatro estações; 14 dias em Okinawa). A correlação de Spearman (postos) entre os dois índices de consumo de sódio foi de 0,49 nos homens e de 0,54 nas mulheres.(32) Em relação aos indivíduos relativamente aos quais existia o nível de excreção de 24 h em 2 dias (32 homens e 57 mulheres, excepto os de Okinawa), a correlação foi de 0,38 no caso dos homens e de apenas 0,12 nas mulheres.(32) Os gráficos de pontos que mostram a correlação entre os dois índices no caso dos homens, em cada área, são apresentados na figura 5. Esta figura também mostra que, apesar de a validade ser relativamente mais elevada ao longo do intervalo alargado de consumo de sal nas quatro áreas combinadas, esta foi modesta dentro de cada área quando a amplitude de ingestão de sal era reduzida. Esta observação sugere que o nível estimado de consumo de sal obtido utilizando um questionário não é suficientemente sensível para detectar pequenas diferenças, mas é útil para detectar diferenças relativamente grandes, as quais foram observadas na coorte entre as populações.  Apesar de a recolha múltipla de urina de 24 h poder ser um método ideal para estimar o consumo habitual de sal, este tipo de análise não é exequível quando se trata de um estudo de grupos de grande escala. O quintil de consumo de sal foi associado com o risco de cancro nos homens (dependente da dose) após um ajustamento que excluiu potenciais factores de confusão (para tendência, P < 0,001); no entanto não foi claramente identificada uma tendência no caso das mulheres (para tendência, P = 0,48; Fig. 6). A fraca relação observada entre o consumo de sal e o cancro gástrico nas mulheres poderá dever-se à validade relativamente baixa da estimativa do consumo de sal; a correlação de Spearman com o nível de excreção de 2 dias foi de 0,12 no caso das mulheres, enquanto nos homens nfoi de 0,38. Tal como esperado devido às observações do estudo de validação acima referido (Fig. 5), a estratificação por área estudada atenuou as associações observadas. Apesar de esta associação ser menos clara em relação à sopa de miso, aos vegetais conservados em sal e ao peixe seco, a categoria de frequência de consumo de alimentos salgados como ovas de peixe salgadas e conservas de peixe salgado foi fortemente associada com o risco de cancro gástrico em ambos os sexos (Fig. 7). As associações observadas foram atenuadas após um ajustamento posterior em relação ao consumo de sal ou uma estratificação mais detalhada por área de estudo; estas permaneceram evidentes no caso das ovas de peixe salgadas e das conservas de peixe salgado. O conteúdo de sal destes itens alimentares é >5%; o de outros alimentos salgados era bastante variável. Este é <5% na maioria dos itens alimentares. As observações implicam que ou o consumo de alimentos com um conteúdo de sal extremamente elevado aumenta o risco de cancro gástrico ou é meramente uma indicação da preferência de alimentos salgados ou de consumo de sal em geral. Uma explicação alternativa da associação forte entre o consumo de alimentos extremamente salgados e o cancro gástrico poderá estar associada às substâncias químicas cancerígenas que podem formar-se por reacção com nitrato ou nitrito durante o processo de conservação dos alimentos e da sua digestão no estômago. Da nossa análise aos padrões alimentares, em que se utilizou o mesmo conjunto de dados, o padrão alimentar tradicional, o qual está fortemente correlacionado com o consumo de alimentos salgados tais como ovas de peixe salgadas, conservas de peixe salgado, pickles de vegetais, peixe seco e sopa de miso, verificou-se que este tem uma associação significativa com o aumento do risco de cancro gástrico em amos os sexos (risco relativo para o quartil mais elevado = 2,88 para homens e 2,40 para mulheres; em relação à tendência P < 0,0001 e 0,007, respectivamente).(33)

Em resumo, vários estudos de grupos, incluindo os referidos no Japão, demonstraram que um consumo mais elevado de sal e de alimentos salgados estava associado a um risco subsequente de cancro gástrico.

Sal, Consumo de Alimentos Salgados e Infecção por Helicobacter pylori

A infecção por H. pylori é um factor de risco estabelecido, mas não é causa suficiente para o desenvolvimento de cancro gástrico.(7,34) É importante tentar elucidar o papel que o sal e os alimentos salgados desempenham como ligação causal entre a infecção por H. pylori e o cancro gástrico.

Num estudo transversal de 634 homens com idades compreendidas entre os 40-49 anos e que foram seleccionados aleatoriamente de cinco áreas do Japão, Tsugane et al. testaram a associação entre os factores relacionados com o estilo de vida e a infecção por H. pylori; 474 dos 628 homens estudados eram positivos em relação ao anticorpo IgG contra a bactéria.(35)  A ocupação, o número de irmãos, a educação, o hábito de fumar, o consumo de álcool e outros hábitos alimentares não estavam significativamente associados à prevalência da infecção nesta população. Apesar de um estudo transversal tal como este ter as suas limitações, o consumo de alimentos salgados parece aumentar o risco de infecção por H pylori. Os danos na mucosa induzidos pelo sal e pelos alimentos salgados poderá aumentar a possibilidade de uma infecção persistente com H. pylori.(36) Ao mesmo tempo que o consumo de alimentos salgados pode aumentar o risco de infecção por H. pylori, demonstrou-se que este age de forma sinérgica na promoção do desenvolvimento de adenocarcinoma gástrico em gerbos da Mongólia tratados com N-metil-N-nitrosoureia (MNU).(37) O efeito sinérgico da infecção por H. pylori e da ingestão de alimentos salgados foi igualmente descrito num estudo de controlo de casos na Coreia.(28) No entanto, a infecção por H. pylori, em si, tem pouca probabilidade de aumentar o consumo de alimentos salgados. Assim, a infecção por H. pylori não pode ser confundida no estabelecimento de uma ligação causal entre o consumo de sal e de alimentos salgados e o cancro gástrico (Fig. 9). A restrição do consumo de sal e de alimentos salgados pode, pelo menos, reduzir o risco de cancro gástrico.

Prevenção do Cancro Gástrico através da Restrição do Consumo de Sal e de Alimentos Salgados

Apesar de a erradicação de H. pylori poder ser uma estratégia promissora no que respeita à prevenção de cancro gástrico, a maioria dos Japoneses de meia idade e idosos já estão infectados com esta bactéria.(33) O decréscimo mundial da taxa de incidência padronizada por idades de cancro gástrico não foi relacionada com um programa de redução intencional das infecções por H. pylori, mas pode ser relacionada com a redução do consumo de sal e de alimentos salgados e o aumento do consumo de fruta fresca e vegetais devidos à popularização dos frigoríficos. Com base em evidências suficientes obtidas em estudos epidemiológicos descritivos e analíticos, incluindo os realizados na população japonesa, sobre a associação entre o consumo de sal e de alimentos salgados e o risco de cancro gástrico, a alteração do padrão alimentar que reduza o consumo de sal e de alimentos salgados é uma estratégia prática através da qual se pode prevenir o cancro gástrico em áreas da alto risco no Japão.

Agradecimentos

O presente estudo foi apoiado por Bolsas de Investigação sobre Cancro da Terceira Estratégia Integrada de Dez Anos para o Controlo do Cancro e para Investigação de Análise de Riscos de Alimentos e de Medicamentos do Ministério da Saúde, do Trabalho e da Segurança Social do Japão, e por Bolsas de Investigação Científica do Ministério da Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia. O autor gostaria da agradecer ao Dr. Manami Inoue pela preparação de algumas das figuras.

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